As enchentes provocaram cerca de 3368 casos de leptospirose no país, apesar de todos os alertas no início de ano.
O número corresponde a dois casos a cada 100 mil habitantes. Parece pouco, mas desperta preocupação: a letalidade da famosa “doença da urina do rato” é de cerca de 11%, o que resulta em 363 mortes por ano. A rapidez com que progride também é alta. Nos casos mais graves, o tempo entre o aparecimento dos sintomas e a morte pode ser de apenas uma semana.
A doença é causada por uma bactéria do gênero Leptospira e os principais sintomas são:
* Febre alta repentina;
* Dor de cabeça e nos músculos;
* Mal-estar;
* Diarreia;
* Vômitos;
* Cansaço e fraqueza;
* Falta de apetite;
* Icterícia (pele e olhos amarelados).
Apesar de a dor na panturrilha (batata da perna) ser constantemente apontada como um sintoma característico da leptospirose, pode ser que ela não apareça. Portanto, o diagnóstico da doença não deve ser descartado só porque essa região não está dolorida.
Infelizmente, a leptospirose continua sendo a causa da morte de muitos brasileiros porque os sintomas da doença podem aparecer até 30 dias depois de o paciente ter enfrentado uma situação de risco, como uma enchente. “Em média, os sintomas aparecem entre quatro e 15 dias após a invasão pela bactéria. Como é uma doença de início abrupto, muitas pessoas não associam os sintomas à exposição que tiveram duas semanas atrás”, explica Maria das Graças Soares dos Santos, coordenadora do Programa Municipal de Vigilância e Controle de Leptospirose e Roedores de São Paulo.
Leptospirose e enchentes
Anualmente, de 60% a 70% dos casos da doença acontecem entre fevereiro e março. O aumento significativo do número de ocorrências no período de enchentes não é coincidência. De fato, 50% dos casos de leptospirose estão relacionados com as enchentes, pois as chuvas trazem à superfície toda a água contaminada nos esgotos, córregos e galerias pluviais. A situação piora porque os ratos também sofrem com os alagamentos e, como reação natural ao estresse, urinam ainda mais.
Em uma emergência, não dá para esperar que as pessoas atingidas tenham condições de preparar-se adequadamente, calçando botas de borracha ou mesmo protegendo a pele com sacos plásticos, como recomenda o Ministério da Saúde em situações de maior risco. Algumas sequer podem evitar serem encharcadas da cabeça aos pés pela água das enchentes, ou até mesmo engoli-la sem querer.
Todos esses fatores fazem aumentar o risco de infecção pela Leptospira nesse período. No entanto, a associação leptospirose-enchentes pode levar também a uma ideia equivocada: a de que é preciso ter contato com um grande volume de água para ser infectado. “Não precisa haver uma coluna de um metro de água para haver leptospirose. Uma fina lâmina d’água em um campinho de futebol em um local sombreado já é o suficiente. Mesmo a lama tem poder infectante”, diz Maria das Graças.
Homens adultos: os mais atingidos
Os homens adultos representam quase 80% dos casos de leptospirose registrados anualmente, não porque tenham o organismo mais vulnerável à Leptospira, mas porque constituem o grupo que se expõe muito mais à doença. “Em enchentes, o homem adulto ajuda a resgatar os familiares, sai da água, volta para ajudar outras pessoas e fica trabalhando naquela área, tentando salvar os pertences, e então dá chance para uma grande quantidade de bactérias invadir”, afirma Maria das Graças.
O tempo de permanência em uma situação de risco, além de aumentar a possibilidade de contrair a doença, pode ser também um fator agravante para o quadro, pois quanto mais tempo a pessoa permanecer em contato com a água contaminada, maior será o número de bactérias que poderão entrar em seu corpo e, consequentemente, maior a gravidade da leptospirose.
Em geral, após a contaminação, as bactérias permanecem por um período de sete a dez dias se multiplicando no organismo antes de começarem a provocar sintomas. Entretanto, em 15% dos casos, a primeira manifestação já é uma forma grave da doença, ou porque a Leptospira é do sorotipo mais agressivo, ou devido à grande quantidade de bactérias. Nos casos graves, os sintomas aparecem rápido, cerca de três ou quatro dias após a contaminação, e a taxa de letalidade é bastante alta: 40%.
Evolução rápida
A leptospirose causa vasculite generalizada, ou seja, uma inflamação dos vasos sanguíneos em várias regiões do corpo. Na maior parte dos casos, o óbito ocorre por causa da hemorragia pulmonar. “Havendo suspeita de leptospirose, é recomendado que o tratamento com antibióticos seja iniciado imediatamente, pois, às vezes, a evolução da doença é tão rápida que pode levar à morte antes que se confirme o diagnóstico”, explica Maria das Graças.
A recomendação é dada porque o teste de ELISA, que detecta os anticorpos específicos que combatem a Leptospira, só é definitivo para o diagnóstico diferencial quando as amostras de sangue são coletadas cerca de sete dias após o início dos sintomas. A essa altura, a doença já pode ter causado danos irreversíveis.
A melhor forma de combater a leptospirose é a prevenção, o que, basicamente, significa não ter contato com a urina contaminada. “Muita gente acredita que depois de sair da água basta tomar banho e passar álcool para não adoecer.”, afirma Maria das Graças. Após a exposição, entretanto, nada pode ser feito a não ser ficar atento para procurar um médico imediatamente caso apareça algum dos sintomas.
Também não é possível ver se a Leptospira invadiu o corpo. A bactéria entra com mais facilidade pelas mucosas ou ferimentos, mas também consegue atravessar a pele íntegra. Quando o faz, não deixa marca alguma e tampouco provoca qualquer reação no local por onde invadiu o organismo.
Rato: o hospedeiro ideal
Vários mamíferos podem ser hospedeiros para a Leptospira, mas o rato é o reservatório ideal. Um dos motivos é que, diferentemente de cães, porcos e outros animais, os ratos não adoecem de Leptospirose. Uma vez contaminados pela bactéria, eles vão carregá-la por toda a vida sem desenvolver os sintomas.
Outro agravante é que as fêmeas transmitem as bactérias diretamente aos filhotes. A partir do terceiro mês até o fim da vida, procriam de cinco a 12 novos ratos com leptospirose a cada 20 dias. Camundongos, ratos de telhado e ratos de esgoto, os principais transmissores de leptospirose nas cidades, vivem, respectivamente, um ano, um ano e meio e dois anos, em média. Uma ratazana que nasça com leptospirose, portanto, poderá gerar na vida mais de 370 filhotes com a infecção.
Enquanto os outros mamíferos que podem abrigar a Leptospira produzem uma urina ácida, os ratos apresentam urina levemente alcalina, ideal para que a bactéria sobreviva fora do animal até encontrar um novo hospedeiro. Os ratos de esgoto são hospedeiros ainda melhores, pois vivem em galerias pluviais protegidas da luz do sol e que conservam temperatura amena, em torno de 20 graus. Em tais condições, a bactéria resiste por até uma semana.
A bactéria da leptospirose não é eliminada nas fezes nem na saliva. Contudo, é preciso ter cautela mesmo ao limpar resíduos sólidos, pois, como os ratos urinam e defecam ao mesmo tempo, é muito comum as fezes também estarem contaminadas com a urina.
Ao entrar em contato com qualquer local com suspeita de contaminação pela Leptospira, como fossas, ralos ou áreas próximas a córregos, é aconselhável proteger a pele e fazer uma desinfecção. O Ministério da Saúde recomenda o uso de uma solução de dois copos americanos de hipoclorito de sódio (água sanitária) diluídos em um balde de 20 litros de água. É importante deixar essa mistura repousar por 15 minutos antes de começar a limpeza.
Fonte: www.drauziovarella.com.br